Um dos instrumentistas mais populares do país recria obras do maestro para sopro, no ano de seu centenário. O CD tem participação de Zélia Duncan.

Radamés Gnattali (Porto Alegre 1906/Rio 1988) foi o grande modernizador da música brasileira no século XX. De formação clássica, se encantou na juventude pelo choro e mais tarde foi buscar no jazz, elementos que o ajudassem em suas inovações. Nesse percurso, ele que era uma pianista maiúsculo, foi buscando instrumentos adequados às suas ideias renovadoras. O saxofone foi um deles e em colaboração com alguns craques do instrumento – Luis Americano, Zé Bodega, Sandoval Dias e Paulo Moura – o compositor desenhou uma linguagem moderna para o sax brasileiro.

“Radamés e o Sax” resume essas experiências e seu repertório pode ser dividido em três grupos. O primeiro é de peças para sax tenor criadas a partir da admiração de Gnattali por Zé Bodega (“Bate papo”) e Sandoval Dias (“Pé ante pé”, “Amigo Pedro”, “Brasiliana nº 7”). O primeiro é considerado o maior tenorista brasileiro e dele Radamés retratou um jeitão relaxado e cheio de bossa de tocar. Já Sandoval, sofria críticas de seus colegas de instrumento por não ligar para o jazz, nem cultivar seu sotaque. Foi justamente por isso que, além de alguns choros, Gnattali lhe dedicou a obra-prima que é a “Brasiliana nº 7”.

Composta originalmente para sax tenor e piano, a Brasiliana aparece aqui em um arranjo encontrado por mim no arquivo de partituras da Rádio Nacional e que esperou quase meio século para ser gravado. Essa peça mistura virtuosismo, sensibilidade e balanço em proporções perfeitas. O segundo grupo de repertório são músicas para sax alto dedicadas a Luís Americano (“Serenata no Joá”) e Paulo Moura (“Valsa triste”), e mostram Radamés à vontade tanto em um choro tradicional dos anos 1930 quanto na série moderna de obras que criou para o disco “Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali” de 1959.

O terceiro grupo é de choros compostos para serem tocados por naipe de sax (Assim é melhor, A fumaça do meu cachimbo e Remexendo), nos quais a própria melodia é estruturada para funcionar bem nessa instrumentação. Uma delícia! A exceção desses grupos é o samba canção inédito “Saudade de alguém” com letra do craque Paulo César Pinheiro, espaço perfeito para a conversa dos timbres quentes do sax alto e da voz de Zélia Duncan. O núcleo de músicos que participou do disco é o Novo Quinteto, grupo que recria a sonoridade do lendário Quinteto Radamés e é composto por músicos que estudam o estilo há anos.

Resumir décadas de evolução do sax brasileiro em um único trabalho só foi possível graças a dedicação apaixonada com que Leo se lançou a esse projeto. Como instrumentista, mergulhou no estilo, resgatou sonoridades e, sem nunca deixar de ser ele mesmo, passeou pela herança de lendas do instrumento, totalmente à vontade. Do sax soprano ao barítono, em solo ou em naipe, com o rigor erudito ou o balanço irresistível das gafieiras, Leo Gandelman mostrou mais uma vez o quanto é bom de sax, o quanto é bom de música e o quanto é brasileiro. – Henrique Cazes.

No repertório: Bate Papo (Radamés Gnatalli), Assim é Melhor (Radamés Gnatalli), Serenata no Joá (Radamés Gnatalli), Variações Sobre um Tema de Viola (Radamés Gnatalli), Samba Canção (Radamés Gnatalli), Choro (Radamés Gnatalli), A Fumaça do Meu Cachimbo (Radamés Gnatalli), Pé ante Pé (Radamés Gnatalli), Saudades de Alguém (Radamés Gnatalli – Paulo César Pinheiro) participação: Zélia Duncan, Remexendo (Radamés Gnatalli), Amigo Pedro (Radamés Gnatalli), Valsa Triste (Radamés Gnatalli).